Mensagem do Presidente sobre 2019 (e notas sobre 2020)

Quando entrados no ano de 2020 estávamos todos longe de imaginar o que os meses vindouros nos trariam. Saíramos do ano de 2019 ainda reflectindo sobre todos os pontos positivos que conseguimos alcançar durante esse período. Pelo 3º ano consecutivo, aumentámos o número de consultas de psicologia e psiquiatria; aprofundámos a qualidade e a quantidade das formações externas e internas; consolidámos a nossa presença e divulgação de material pedagógico e editorial nas redes sociais; mantivemos e evoluímos as parcerias já estabelecidas; e transitámos para um novo espaço físico que permitisse melhorar as condições assistenciais aos nossos doentes. Foi mais um ano de crescimento e de novas etapas cruzadas, que geralmente são o mote para o estabelecimento de novos objetivos e ideias que permitam expandir o nosso foco de ação para novos patamares.

Há, no entanto, um tema inevitável que me leva a mudar um pouco o tom habitual da mensagem anual da direção. A crise de saúde pública originada pela pandemia da COVID-19, que tomou o mundo de assalto, obrigou-nos a readaptar rapidamente o nosso modus operandi, e, infelizmente, a colocar em suspenso alguns dos planos que tínhamos em mente para este ano. As nossas prioridades voltaram-se então para tentar garantir aquilo que é para nós o mais importante e essencial – os nossos doentes e o seu acompanhamento assistencial. Como presidente da direção, não podia estar mais orgulhoso da mostra de profissionalismo e dedicação de toda a equipa durante este processo.

Todavia, a pandemia COVID-19 veio reforçar algumas certezas; por um lado a necessidade absoluta de um Serviço Nacional de Saúde sólido, forte e capaz de enfrentar não só os desafios da crise sanitária, mas também capaz de dar resposta a todos os outros doentes e manter a universalidade e continuidade de cuidados a todos os que dela necessitam e dependem. Nesse aspecto, e como profissional no terreno, não posso deixar de elogiar a notável capacidade de transformação e adaptação de todos os profissionais do SNS, com a rápida mudança operacionalizada tanto nas estruturas hospitalares como, e talvez resida aqui o segredo do sucesso português nesta primeira fase da pandemia, dos cuidados de saúde primários. Por outro lado, a importância reforçada dos serviços complementares em áreas carenciadas, como aqueles a que nos propomos fornecer, e que se nutrem de especial relevância quando ameaçados pela possibilidade de saturação do sistema de saúde.  Por último, a ideia de que é face a uma crise que surge o móbil necessário para a evolução. O repensar os moldes do trabalho e da escola, a transição digital, a capacidade de reinvenção do tecido industrial do país, a mobilização solidária transversal da sociedade e o teste à capacidade de resiliência do povo português, entre tantos outros domínios, são a herança que esta epidemia deixará para reflexão futura.

Não menos importante, o contexto particular da pandemia trouxe à discussão pública um reforço da temática da Saúde Mental, não poucas vezes apelidada como o parente pobre da Medicina pelo crónico défice de investimento nesta área – de resto, um dos principais motivos que nos motivou a criar a nossa associação. As medidas restritivas de confinamento, o isolamento forçado e o distanciamento social, o receio do desconhecido relativamente ao novo coronavírus, a paragem da atividade económica, a perda de rendimentos e de empregos, e a crise económica que se avizinha, todas estas incertezas vieram impactar a saúde mental coletiva da população portuguesa a um nível sem precedentes. E talvez nunca como por estes dias se multiplicaram as iniciativas públicas de sensibilização para o tema, vindas das mais variadas esferas da sociedade, pondo a descoberto a importância de trazer para o foco das políticas de saúde medidas especialmente dirigidas a este sector. Congratulamo-nos com este acordar para a realidade, mas tememos que o entusiasmo agudo se esmoreça com a diluição do mediatismo viral.

Após a pandemia infecciosa, virá a pandemia económica, e perspectiva-se e teme-se o aparecimento de uma pandemia de saúde mental. Por esta altura é impossível saber se estes receios são ou não infundados, mas agora mais do que nunca renovamos o nosso compromisso com os valores e objetivos da Mental8Works, que se mostram ainda mais fundamentais perante o desafio que o futuro próximo nos traz.

Não podia acabar este texto sem uma referência especial à Maria João Sequeira Martins, nossa fundadora e mentora, amiga e companheira, que cessou a sua colaboração com a Mental8Works para perseguir outros desafios pessoais e profissionais. Também é por ela, e por tentativa de honrar o seu legado e exemplo, que nos apresentamos com motivação renovada para continuar a nossa missão.

Um bem-haja

João Francisco Gonçalves – Presidente da Associação Mental8Works

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