Existe espaço para o luto no Natal?

O processo de luto é bastante abrangente. Este não se limita à vivência do falecimento de uma pessoa próxima, mas também a outras perdas significativas que temos ao longo da vida. Além de ser natural ao ser humano, o luto ocorre em diversos tipos de perdas, dependendo da significância atribuída pela pessoa, como por exemplo, falecimento de alguém, fim de um relacionamento, vivência de doença terminal ou incapacidade própria ou de alguém significativo, divórcio, perda de emprego ou capacidade económica.

A forma como se lida com a dor associada a uma perda é diferente de pessoa para pessoa e segundo Bowlby, quanto maior for a vinculação ao que é perdido, mais moroso será o sofrimento no processo de luto. Bowlby (1990) observou quatro fases do luto: 1) o entorpecimento, 2) o anseio, 3) a desorganização e o desespero e 4) a reorganização. Sendo que algumas pessoas podem passar por uma destas fases mais “facilmente” ou de forma mais breve do que pelas outras, dependendo também do contexto envolvente.

Embora o luto como processo de elaboração de uma perda seja transversal a todos os sujeitos, é importante atentar-se a alguns sinais que poderão revelar um luto complicado ou patológico. Neste tipo de luto, a vivência do mesmo pode interferir na vida da pessoa a ponto de incapacitá-la de manter atividades funcionais no quotidiano, ou seja, pode levar ao funcionamento disfuncional. As mudanças constantes entre sentimentos de tristeza, de raiva e de culpa, ansiedade e de solidão, apatia e desinteresse, estado de choque e sensação de desamparo, invadem e interferem no funcionamento emocional e racional da pessoa tornando-a mais vulnerável.
No Natal, esta vulnerabilidade é aumentada e as perdas são mais frequentemente denotadas, sendo uma altura do ano em que as atividades associadas são predominantemente realizadas com as pessoas mais significativas para cada pessoa. Independentemente das crenças religiosas, são recorrentes momentos de partilha de recordações e planos futuros, sendo que é no Natal que se reencontram alguns familiares e/ou amigos que só se encontram em épocas festivas.
Frequentemente, além da dor de uma perda, o que “incendeia” ainda mais a tristeza vivida é a própria expectativa de alegria, ou seja, a necessidade que se sente de demonstrar que se ultrapassou o luto. Por outro lado, pode existir a pressão autoinfligida para evitar “contaminar” a alegria dos presentes com a sua tristeza, como se existisse a obrigatoriedade de se estar alegre no Natal. As primeiras datas de celebração podem ser bastante perturbadoras para a pessoa em luto, pois, esta ainda se encontra a tentar enquadrar a nova configuração da sua vida assimilando novas significações para as celebrações.

De forma a respeitarmos a dor tão pessoal do outro devemos desprezar o tempo “cronos”, de natureza quantitativa e dar espaço à vivência do luto num tempo “kairós”, o tempo qualitativo, de experiência do momento oportuno e subjetivo. Na época natalícia importa facilitar ao outro a construção de uma nova conceção de Natal, procurando novas tradições e rituais. Nestas novas formas de vivenciar o Natal é importante o respeito pelo ritmo de recuperação de cada um, bem como pela significação pessoal atribuída àquela perda, para que se propicie a que a dor dê lugar a uma saudade funcional e dia-a-dia adaptativo.

Na Mental8Works temos uma equipa de técnicos que podem ajudar, seja nesta época festiva ou fora dela, na compreensão e reconstrução de significações associadas a um luto.

Maria Silva – Psicóloga Júnior da Mental8Works

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