Ao contrário de muitos dias comemorativos que têm um propósito comercial, o Dia Internacional da Mulher visa alertar, desde o início do século XX, para a desigualdade de género.
Muito ênfase tem sido dado na diminuição da disparidade entre a mulher e o homem do ponto de vista social, económico, político e cultural. Aproveito este dia para falar acerca da saúde mental na mulher e de como as diferenças, não só biológicas, mas também sociais, a modulam.
Em Portugal, as doenças mentais têm uma prevalência de 22,9%, com o dobro da probabilidade de desenvolvimento de doença psiquiátrica no sexo feminino. Esta diferença deve-se sobretudo ao maior risco de perturbações depressivas e de ansiedade. A depressão, que se estima atualmente ser a segunda causa de incapacidade global, é duas vezes mais frequente nas mulheres.
A explicação para estas diferenças assenta em modelos multifatoriais, na dependência não só de fatores biológicos (p.e. genéticos, hormonais) ou psicológicos (p.e. vieses cognitivos, personalidade), mas também sociais. Ainda hoje, o género determina parte do controlo que as pessoas conseguem ter sobre os seus determinantes socioeconómicos e a sua posição social, fatores esses que influenciam a suscetibilidade e exposição a fatores de risco para a doença mental. Sendo este um dia em que a desigualdade é realçada, mais do que nunca é importante uma chamada de atenção para os mesmos. Assim, os fatores de risco relacionados com o género que afetam desproporcionalmente as mulheres incluem: a pobreza, a violência de género e violência sexual, a desigualdade de remuneração, a responsabilidade acrescida enquanto cuidadoras e a pressão criada pelos papeis múltiplos que muitas vezes desempenham.
Para além da diferença na prevalência de depressão e ansiedade, também a perturbação de stress pós-traumática (PTSD) é duas vezes mais comum no sexo feminino – pelo menos uma em cada cinco mulheres sofre algum tipo de abuso sexual ao longo da vida, sendo este o principal fator de risco para a PTSD. A probabilidade de cada mulher ser vítima de qualquer tipo de violência ao longo da vida varia entre 16% e 50%.
Outra particularidade a ter em consideração na saúde mental da mulher são os momentos de maior vulnerabilidade ao longo da vida – a puberdade, a gravidez e a perimenopausa. Uma em cada dez mulheres desenvolve episódios depressivos durante a gravidez e uma em cada seis no primeiro ano após o parto. As perturbações de ansiedade são igualmente comuns, e muitas vezes simultâneas. Ainda assim, existe uma percentagem muito significativa de mulheres que não recebe tratamento para as perturbações psicológicas neste período.
Por fim, existem também diferenças de género nos padrões de procura de ajuda – as mulheres mais facilmente a procuram e falam sobre os seus problemas de saúde mental. No entanto, verifica-se que problemas relacionados com abusos físicos e sexuais são muito pouco reportados aos profissionais de saúde, e muitas vezes apenas referidos quando questionados. O acesso aos cuidados de saúde, harmonizado nos países desenvolvidos, é ainda muito desigual nos países em desenvolvimento, com uma postura autoritária dos profissionais de saúde para com as mulheres, o que resulta em uma limitação e estigmatização da partilha do seu mal-estar psicológico.
Em suma, existem aspetos particulares na saúde e doença mental no sexo feminino, que se devem em parte à sobrecarga dos papeis sociais esperados das mulheres, e dos variados pontos de desigualdade, que apesar de minorados ao longo do tempo, se encontram ainda presentes na sociedade.
Beatriz Côrte-Real – Médica de Psiquiatria Mental8Works