Envelhecimento vs. Arteterapia

“O envelhecimento populacional é um dos maiores desafios da saúde pública contemporânea. Este fenómeno ocorreu inicialmente em países desenvolvidos mas, mais recentemente é nos países em desenvolvimento que o envelhecimento da população tem ocorrido de forma mais acentuada” (Lima-Costa Veras, 2003).

Para Lima-costa & Veras, o envelhecimento é uma consequência natural de qualquer sociedade, mas o grande problema que se coloca é encontrar respostas para que a população envelhecida não perca a qualidade de vida. Apesar dos idosos constituírem um grupo social de risco, muito devido à precariedade económica e a impossibilidade de acederem a bens e serviços que lhes permitam continuar a sua vida actividade, é necessário a criação de iniciativas/projectos/planos que promovam o envelhecimento activo, tendo sempre presentes as suas necessidades bio-psico-sociais e também os recursos humanos e materiais disponíveis. “O envelhecimento saudável depende do equilíbrio entre o declínio natural das diversas capacidades individuais, mentais e físicas e a obtenção dos objectivos que se desejam” (DGS, 2012).

Segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, Envelhecimento Activo “é o processo de optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objectivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (OMS, 2012).

Actualmente em Portugal, o envelhecimento da população é um fenómeno de grande amplitude – redução da natalidade e aumento da longevidade, deste modo, torna-se importante desenvolver meios de forma a responder às necessidades deste grupo, pois, segundo Silve & Santos (2009), a manutenção das funções cognitivas mantém o idoso independente e activo, e a avaliação dessas funções é necessária como medida preventiva, uma vez que os quadros de defeito cognitivo leve e de demência estão directamente associados a disfunções na memória, praxia, linguagem, atenção, entre outros (Hototian et al., 2008).

Segundo Wilson (Ávila, 2002), idosos sem actividades podem perder algumas das suas capacidades intelectuais. Os estímulos como exercícios são importantes, a fim de proteger o intelecto contra a deterioração. Existe assim a hipótese de que as actividades cognitivas possibilitam aos idosos a manutenção das suas capacidades.

As dinâmicas da estimulação cognitiva têm características lúdicas, objectivando estimular as funções cognitivas, fornecer suporte psicológico e socializar o paciente (Camara et al, 2009).

Assim, a arteterapia tem sido um tipo de intervenção recomendada para os idosos devido ao seu grande potencial e sentido de estimulação, pois melhora as suas relações sociais e a sua auto-estima (Douglas et al, 2004).

Embora as expressões de estados internos sejam frequentes no decorrer da história da humanidade, a arteterapia emergiu, distinguindo-se como opção terapêutica a partir de 1930, quando psiquiatras se interessaram pelos trabalhos desenvolvidos por alguns pacientes, (sobretudo esquizofrénicos), procurando a relação entre as suas produções artísticas e a sua patologia (Carvalho, 2001). Neste sentido, a arteterapia é um processo terapêutico que resgata a tradição milenar de utilizar diversos recursos expressivos com o objectivo de auxiliar os indivíduos a contactar com conteúdos inconscientes. Procurase, a partir das informações provenientes desses níveis mais profundos de funcionamento psíquico, facilitar o desenvolvimento da personalidade num todo (Ormezzano & Arruda, 2005).

A visão expressa por Valladares & Fussi (2003) é a de que a Arte é universal, uma vez que evoca uma linguagem primária e pré-verbal versátil e, simultaneamente, flexível, possibilitando uma forma de expressão e comunicação humana, por vezes não exprimível pela linguagem comum. A Arteterapia relaciona os produtos de imagens artísticas com os seus conteúdos simbólicos específicos, num âmbito ilógico e irracional, transpondo-os para a linguagem consciente.

Para Valladares et al (2008) as produções artísticas são projecções internas e manifestações pessoais, permitindo que o indivíduo se expresse de forma mais espontânea, originando um novo sentido da sua própria vida. A arteterapia, ao trabalhar com o processo criativo, pode ser um caminho revelador e inspirador que ajuda a entrar em contacto com a possibilidade de acreditar, desafiar, reconstruir, criar e expressar as emoções, sentimentos e imagens. Também para Puffal et al (2009) a criatividade é um elemento importante dentro do trabalho arteterapeutico, já que é um aspecto inerente a todo ser humano, porém nem sempre evidenciado e trabalhado.

Neste sentido, a Arteterapia pretende valorizar a singularidade do sujeito sem perder de vista o colectivo, utilizando a arte, que é um caminho de expressão, de comunicação e
síntese da experiência pessoal da pessoa. Representando conteúdos inconscientes e conscientes, integra aspectos afectivos e cognitivos de saúde e doença, sendo benéfica para ampliar a compreensão do ser humano (Valladares, 2006), permitindo a aquisição de habilidades muitas vezes não disponíveis anteriormente (Carvalho, 2001).

Para Allessandrini (2004, cit in Valladares 2006) as actividades artísticas permitem que a pessoa simbolize as suas percepções sobre o mundo, sobretudo quando não consegue expressar-se verbalmente ou através da linguagem escrita. Através da arteterapia é possível trabalhar outras linguagens não-verbais, como a sonora, a corporal e a plástica, estimulando também a audição, a visão, as funções motoras e cognitivas. Através da arteterapia, a produção plástica facilita a abertura de canais de comunicação, de percepção e de sensibilidade, proporcionando ao idoso uma melhor aceitação de si e da sua realidade (Rigo, 2007).

Através dos seus estudos, Waller (2007) conclui, que a arteterapia é uma prática com evidente utilidade no trabalho com pessoas idosas, pois permite a expressão das emoções e angústias dos indivíduos, de forma criativa, evidenciando também a importância das relações interpessoais.

Outros estudos levados a cabo por Valladares et al. (2008) mostraram as contribuições relevantes da arteterapia para a área da saúde mental, dado ser uma prática acessível ao tratamento de doentes mentais onde já foram obtidos resultados satisfatórios.

Através da arteterapia o idoso trabalha a sua faceta artística e através da moldagem, bordados, pintura, desenho, colagem, teatro etc., consegue exprimir algumas das suas emoções. Estas actividades permitem ainda que a pessoa idosa desenvolva a motricidade fina, a precisão manual e a coordenação psicomotora (Jacob, 2008).

Com recurso às mais variadas técnicas criativas e terapêuticas, a arteterapia permite também o desenvolvimento individual, da personalidade, bem como das relações sociais. O sentimento e a vivência de apoio facilitados no grupo Arteterapeutico assumem também uma dimensão simbólica de solidariedade e cooperação (Urrutigaray, 2008), sendo por isso uma mais-valia no trabalho com idosos institucionalizados.

A arteterapia pode ser desenvolvida através de diferentes modalidades expressivas, como o teatro, a dança, a poesia, a música, a literatura e as artes visuais. Ao
trabalharmos com essas linguagens verbais e não verbais, ocorrem, consequentemente, transformações internas (Ormezzano & Arruda, 2005).

Valladares (2003) diz-nos que cada modalidade expressiva tem propriedades inerentes e específicas, cabendo ao arteterapeuta adequá-las aos seus pacientes, e respectivos quadros clínicos. Durante este processo, pode-se adoptar uma multiplicidade de actividades, ou apenas uma, que será intensificada à medida que o paciente explore mais facilmente as suas possibilidades expressivas.

Segundo a mesma autora, as modalidades mais utilizadas no processo Arteterapeutico são o Desenho, a pintura, a colagem e recorte, a construção e a dramatização – pois permite a experiencia de novos papeis, trabalhando na criação de personagens, figuras, historias, onde o paciente se permite dizer algo que não diria por si só, sendo desta forma bastante abrangente, devido às comunicações simbólicas).

De acordo com Rigo (2007), trabalhar a consciência corporal com recurso à Arteterapia também é factor determinante para o desenvolvimento da percepção e orientação do idoso. Segundo Leloup (2002), o corpo conta muitas histórias e em cada uma delas há um sentido a descobrir, como o significado dos acontecimentos. O corpo é nossa memória mais arcaica, nele nada é esquecido. Cada acontecimento vivido deixa no corpo uma marca profunda pois a memória do corpo é sempre muito intensa. Puffal et al (2008) referem, através dos seus estudos, que o relaxamento e a sensibilização do corpo físico, através da arteterapia, permitem o resgate de fatos ocorridos, o autoconhecimento e o aumento da auto-estima e da qualidade de vida.

Outra estratégia que pode ser trabalhada com recurso à arteterapia é a reminiscência. A terapia da reminiscência é uma ferramenta útil para trabalhar com idosos institucionalizados, uma vez que promove competências para lidar com o quotidiano, e proporciona fundamentos para intervenções comunitárias, favorecendo o bem-estar e a qualidade de vida dos idosos (Gonçalves et al, 2008). Não sendo uma estratégia exclusiva da intervenção com idosos, a eficácia da reminiscência é potenciada junto desta faixa etária, uma vez que consiste na análise do percurso de vida, realizando um balanço de vida e, eventualmente, resolvendo conflitos localizados no passado (Bohlmeijer et al, 2005). Neste sentido, Knight (2004) sugere que no trabalho com idosos, a reminiscência pode servir o objectivo primordial de reconstrução do autoconceito, que estaria ameaçado neste momento da vida dos sujeitos. Verifica-se assim
como a reminiscência, enquanto estratégia de intervenção psicoterapêutica, se relaciona com a reminiscência enquanto construção partilhada de significados, uma vez que o auto-conceito do idoso está imbuído do discurso social, cultural e histórico circundante.

De acordo com Portella & Ormezzano (2010), no desenrolar do processo Arteterapeutico, os idosos resgatam a sua identidade nas reminiscências dos acontecimentos de outrora. Os resultados positivos da terapia da reminiscência podem ser explicados pela ausência de aprendizagem de estratégias, isto é, os participantes fazem o que sempre fizeram, falar sobre passado, com a mesma linguagem que utilizavam anteriormente e sobre um tópico que conhecem bem, que é a sua história de vida (Bohlmeijer et al., 2005).

Todos estes declínios e limitações associados à terceira idade, constituem um grande desafio para os profissionais que cuidam de idosos, especialmente no que tange ao modo de promover a assistência e o cuidado a esta população, para atender às especificidades da pessoa idosa. É fundamental estimular a adopção de atitudes que prolonguem a independência à medida que as pessoas envelhecem (Lenardt et al, 2009).

Em suma, a literatura revela-nos que a arte como terapia, de forma lúdica ou prazerosa, proporciona o contacto com o potencial criativo de cada um, promovendo a resolução dos conflitos interiores por meio de recursos artísticos e expressivos.

Joana Nina – Psicóloga da Mental8Works

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